quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Os bateristas da vida


Sempre torci o nariz para caras de banda, eram apenas garotos idiotas que achavam ser os donos do mundo só por arranharem algumas notas no violão, mas aquele belo par de olhos e baquetas começaram a me levar ao delírio.

Eu devia ter no máximo treze anos quando o vi pela primeira vez, maldito, deveria ter se escondido, ou colocado uma placa de "não chegue perto" em seu pescoço, mas não, ele tinha de ter o sorriso mais lindo de todo o mundo, ótimo, todos os meus princípios começaram a ser quebrados ali.

Nos festivais da escola ele e aquela bandinha de garagem adoravam se exibir, ridículos. Enquanto as meninas gritavam enlouquecidamente agarrando-os eu sentia completa repulsa por presenciar aquela cena de crianças agarrando outras crianças, quanta bobagem que meus olhos tinham de ver.

Uma vez quando voltava para casa carregando os livros pesados da escola, ele parou ao meu lado com sua bicicleta, o ignorei e continuei andando sem olhar para trás, ele me alcançou tão rápido quanto um piscar de olhos, pegou meus livros amarrando-os junto aos seus em sua bicicleta e saiu em disparada, corri esbaforida tentando alcançá-lo, foram os quatro quarteirões mais cansativos de toda a minha vida, meus livros haviam sido deixados no portão de casa com um bilhete um tanto delicado sobre eles, uma letra que aparentemente se esforçou para parecer legível pedia para que eu fosse encontrá-lo no outro dia depois da escola.

Passei a noite toda pensando se ia ou não, nem ao menos conseguia me concentrar nas páginas já amareladas do meu exemplar de Anna Karenina, pensei mais um pouco e no outro dia não tive como evitar, fui. Vivi uma das melhores tardes de toda minha vida, ele era o cara mais doce e gentil do qual eu poderia conhecer, quem diria que por trás daquele baterista com ares de tolice se escondia um rapaz como ele.

Depois de um tempo eu já era considerada a mascote da banda, ganhei amigos novos e descobri que por mais bobos que eles aparentassem ser eram ótimos amigos, vivia junto com eles, sempre ao lado do meu baterista.

Uma vez saímos para conversar, já faziam quase cinco anos que estávamos juntos, no meio daquela tarde de tantas conversas percebi que ele estava calado demais, algo estava errado, insisti até ele me contar o que estava martelando em sua cabeça para deixá-lo assim tão acanhado, ele iria para Califórnia dali uma semana, iria fazer intercâmbio, iria estudar, sugeriu até que ficássemos noivos para me assegurar de que ele seria só meu e de mais ninguém, claro que não aceitei tamanha tolice, era melhor ele ir livre, mas nós tínhamos uma semana ainda para fazer valer.

Ele se foi, se foi e raramente eu tinha notícias dele, estávamos sempre tão atribulados com nossas responsabilidades acadêmicas que nem tínhamos tempo de conversarmos pela internet dois minutos por dia, era o fim, com certeza era o fim, mas tudo bem, pelo menos eu havia me curado daquela cisma sobre odiar caras de banda.

Fernanda Costa

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